Blade Runner e nossa obsessão pelo romance distópico

Blade Runner e a obsessão por distopias

Blade Runner e a obsessão por distopias

No primeiro episódio do romance distópico Blade Runner, a figura icônica da Tyrrell Corporation como a mais poderosa entre elas, prenunciava uma sociedade muito parecida com a que vemos hoje.

No romance a corporação se abrigava em uma espécie de castelo elevado, isolada do caos que reinava nas ruas úmidas e ácidas da decadente metrópole.

Seus amplos ambientes bem iluminados contrastavam com a escuridão e a sujeira do que restou das cidades.

Entretanto, os fãs desse filme desejaram de alguma forma fazer parte desse universo.

É inegável que todos tinham uma espécie de fascínio pela onipotência e pelo controle que as grandes corporações exerciam.

Em um mundo de poucos direitos civis onde cada um vivia por conta própria, alimentando um pesadelo que ainda nos atormenta, numa descrição quase exata da sociedade moderna que conhecemos.

Blade Runner e as Big Techs

Enquanto isso, fora das telas, as BigTechs emergem como um novo objeto de desejo para a humanidade. Com uma nova forma de vida que fascina as pessoas e as fazem sonhar com um modo de vida mais livre.

Hoje vivemos em um contexto sedimentado nesta ideologia, onde as grandes corporações exercem um poder avassalador sobre a vida das pessoas, controlando a comunicação, as informações pessoais e até mesmo as emoções.

Elas se tornaram entidades super-humanas e as pessoas ainda acreditam que a tecnologia trouxe a elas liberdade…

Seria essa a realização dos nossos pesadelos?

Passamos muito tempo temendo as inteligências artificiais tal como aparecem nos filmes, como entidades externas a nós.  E não percebemos que elas estavam em outro lugar.

Nós deixamos que elas se tornassem um repositório auto pensante usando tudo que acumulamos em conhecimento e comportamentos viciosos… seguindo uma lógica muitas vezes sem os freios éticos necessários.

A ascensão das BigTechs trouxe consigo um novo tipo de Olimpo, um lugar distante e inacessível onde as empresas de tecnologia se abrigam e operam com uma sensação de invulnerabilidade.

E quase ninguém questiona a necessidade de tornar seus algoritmos mais éticos e transparentes.

Mas a inteligência artificial não foi criada apenas para automatizar tarefas repetitivas, e sim ajudar a criar e dar poder a essas entidades super-humanas.

A sociedade é incapaz de lidar com as mudanças tecnológicas aceleradas, enquanto as grandes corporações se beneficiam cada vez mais do poder e da riqueza que acumulam.

Os serviços automatizados e a inteligência artificial, que eram apenas sonhos futuristas há algumas décadas, agora fazem parte não apenas de nosso dia a dia como também de nosso corpo.

Os replicantes no romance distópico e na realidade

Os replicantes do filme se parecem cada vez mais com aquilo que nós éramos antes das novas tecnologias, principalmente porque eles se mostravam tão humanos quanto nós deveríamos ser.

E de fato, na distopia éram os humanos que os perseguiam quem os ameaçava, e  era justamente a essencia humana, presente neles, que estava em risco!

Então quando simplificamos nossa complexidade para que as máquinas possam nos compreender, matamos uma parte essencial de nós mesmos.

Pois estamos deixando de compreender a qualidade em detrimento da quantidade das coisas.

Vivemos em um universo dual, e não existe o que seja totalmente bom ou ruim.

Mas apenas a consciência humana é capaz de criar e manter um caminho do meio para moderar nossas atitudes neste mundo.

Enquanto o mundo se torna cada vez mais tecnológico, perdemos a capacidade de enxergar além da comodidade oferecida pelas máquinas.

Mas não podemos nos nivelar por baixo só para dizer que criamos máquinas mais poderosas que nós.

Assim como no romance distópico, nós não podemos criar máquinas melhores do que nós, mas apenas melhores que aqueles cuja mente nós mesmos fizemos regredir.

 

 

 

A ascensão dos vilões na jornada do herói

A ascensão dos vilões na jornada do herói

A ascensão dos vilões na jornada do herói

A ciência do marketing utiliza arquétipos milenares para promover e restringir interesses nas pessoas. E a jornada do herói é uma das ferramentas utilizadas neste contexto.

Isso pode ser considerado um imenso poder.

E é inegável que pode direcionar a humanidade para as sombras, se assim o quiser.

Na medida em que a ideologia neoliberal enalteceu as jornadas de indivíduos solitários e vitoriosos, acabou-se criando uma abertura para que pessoas de diversas índoles criassem e se identificassem com seus próprios heróis.

E foi a globalização digital junto com as redes sociais que permitiram a criação de bolhas populacionais de pessoas com opiniões parecidas.

A nova jornada do herói

Assim os antagonistas das histórias de ficção também acabaram ganhando direito à redenção através do sucesso que alcançavam em seus próprios fã-clubes.

E a humanização do vilão mostrou que eles dão lucro, tornando a identificação gerada por personagens de ética duvidosa uma mina de ouro.

Mas é claro que isso não ocorreu apenas nas telas. A ascensão da extrema direita no mundo tem contado com personagens criados cuidadosamente para arrebanhar públicos bem específicos.

Passamos a entender então que o Marketing não visava alcançar as personas só para vender produtos.

Mas ele acabou descobrindo que, através da tecnologia, teria poder para criar suas próprias personas para manipular seus públicos para o que quer que quisessem.

Como efeito colateral da segmentação de públicos, a sociedade ficou polarizada, o que gerou diversas novas formas de segmentação de público.

Juntando a isso a popularização do “lado escuro da força”, as pessoas perderam a vergonha de se identificar com vilões.

Então, todo esse movimento facilitou que a sombra de cada um de nós passasse a ser encarada com um certo “orgulho”. E a fórmula firmada por Joseph Campbell ajudou a chegarmos nisso.

Surgiram diversas produções para justificar vilões, como Malévola, Fenix Negra, Coringa, Magneto, etc… apresentando o suposto lado sensível e humano de cada um deles. E todos nos foram apresentados pelo mesmo método de storytelling.

Muitas histórias foram retomadas e o antagonista Darth Vader ganhou uma série inteira de filmes só para sua redenção.  Uma produção milionária cuja intenção foi transformar um assassino cruel em herói.  E foi um imenso sucesso.

É inegável que as histórias recontadas desses personagens têm um grande apelo ao público.

Afinal, os heróis tradicionais sempre foram repletos de qualidades positivas e sem defeitos.

Isso sempre tornou muito difícil sentirmos alguma empatia por eles. A perfeição que representavam parecia não caber no mundo real.

Então o surgimento de heróis mais sombrios, com dúvidas convincentes sobre a própria ética e caráter, trouxe uma atmosfera de realismo ao mundo da ficção.

A parte ruim é que, justamente com o advento da tecnologia, a ficção e a realidade acabaram paulatinamente perdendo os limites que as separavam.

Então é compreensível que as histórias de vilões tenham se tornado mais interessantes para o público, e talvez até mais do que as que falam sobre heróis positivos.

Pois, lá no fundo, a gente se reconhece muito mais nestes vilões…

Por terem um lado ruim e um lado bom, são mais próximos de nossa realidade do que os personagens completamente bonzinhos e sem falhas…

Jung e Hermes Trismegisto explicam perfeitamente que somos todos feitos de luz e sombras e que geralmente não gostamos muito dessa última.

Mas precisamos entender que faz parte do processo de evolução experimentar e conhecer as nossas sombras como parte de nós e não devemos colocá-las nos outros.

Se pudéssemos entender essa dicotomia como sendo os lados de uma mesma moeda, se reduziria o espaço para sermos manipulados…

Portanto, na nossa jornada do herói pessoal, estamos muito longe da redenção final…